domingo, 15 de dezembro de 2024

Ano passado eu morri...


Tudo começou quando o Adryelson foi expulso. E a vida do botafoguense virou uma montanha-russa de emoções. Eu trabalho à noite em uma redação de esportes e estava fazendo esse jogo no dia. No intervalo, teve gente me desejando parabéns pelo título. E naquela altura fazia sentido. Eu separava os lances mais importantes para o programa em que trabalho. E a cada gol do Palmeiras, ficava mais silenciosa. Terminei muda. Quando saiu o quarto, eu queria enterrar minha cabeça num buraco e nunca mais sair. Eu tinha vontade de chorar, vomitar, uma explosão de sentimentos. Pensei: "vou fazer as tarjas do jogo e pedir para ir embora. Não tenho mais condições de ficar aqui." Ao mesmo tempo,  achava que sair antes era um atestado de fraqueza. Não sabia separar o profissional do pessoal? Não sei como aguentei até o fim daquele programa. Voltei silenciosa, abatida e segurando o choro até em casa. Até hoje quando mostram imagens desse jogo, eu viro o rosto para não ver. 

Foram muitas noites acordando de madrugada e chorando. Escondendo as emoções no trabalho até desabar em casa. Voltando de uma das idas ao Nilton Santos, uma amiga minha perguntou porque a gente sofria tanto: "Eu com 27 anos estou chorando por esse time!" Eu falei: "Fique tranquila, eu estou com 31 e choro quase todos os dias". 

No final, nem os rivais zoavam mais a gente. Eles viam o nosso sofrimento e respeitavam. 

Na última rodada eu comprei o ingresso e nem fui. Tinha medo da TV captar o meu sofrimento no estádio. 

A culpa era da camisa branca. Da camisa da patrocinadora. Do show de luzes. Da concessionária de energia do Rio de Janeiro. Da música do Segovinha. Da música do Manequinho. Do Cristiano Ronaldo. Do Bruno Lage. Do Lúcio Flávio. Do Tiago Nunes. Do pênalti perdido pelo Tiquinho. Dos gritos de "é campeão" para o remador. Da piscadinha do Marlon Freitas. 

Sangramos demais. Choramos para cachorro. Mas esse ano não morremos. Sujeitos de sorte?

Imagem: Arquivo pessoal

sábado, 14 de dezembro de 2024

Assim na terra como no céu


Em 2017, um dos meus chefes no trabalho me ofereceu uma camisa do Botafogo. Ele tinha comprado para o pai, que morava em outro estado. A camisa acabou não servindo, ele não conseguiu trocar e o pai faleceu Como ele sabia que eu também torcia pelo Botafogo, me ofereceu a camisa e eu aceitei. Dei de presente para o meu pai. 

Meu pai acompanha todos os jogos do Botafogo, mas não costuma usar camisas do clube. Essa ele usou pela primeira vez comigo em uma vitória sobre o Internacional em 2018. E pela segunda vez no dia 30 de novembro. 

Depois de toda a euforia e a catarse vivida no Monumental, eu lembrei de agradecer aquele meu chefe e mandei uma foto do meu pai com a camisa do jogo. Ele ainda lembrava do presente e se disse emocionado com a mensagem. 

O curioso é que tanto o meu chefe, quanto o pai dele e o meu se chamavam Luiz. De Luiz para Luiz pelo Luiz. E foi um Luiz (Henrique) também que abriu o placar naquele dia. 

Eu tive a sorte e oportunidade de viver a Glória Eterna ao lado do meu pai. Mas tantos outros não tiveram  a mesma chance de estar ao lado de seus entes queridos. 

Então essa é a história do Luiz, do Neilson, do Jorge e de tantos outros que nos fizeram herdeiros de uma paixão infinita e que certamente nos abençoaram e vibraram com as conquistas do Glorioso lá no céu. A estrela solitária está em ótima companhia. 

As nossas conquistas só são possíveis graças a eles. 

 Imagem: Arquivo pessoal

sexta-feira, 13 de dezembro de 2024

Stairway to heaven


No dia 30 de novembro eu e meu pai chegamos bem cedo ao Monumental para assistir à final da Libertadores. Não conhecíamos a região, mas combinamos com um taxista local de nos deixar em um ponto perto e de lá fomos caminhamos até o estádio.  A mesma coisa aconteceria na volta. Acertamos um ponto de encontro para o motorista nos levar de volta ao hotel. 

O caminho até o Monumental foi impactante. Um bairro arborizado com muitas casas bonitas. Quando nos deparamos com o estádio, entendemos o porquê do nome. Era lindo. Eu já tinha ido ali anos antes para fazer um tour no museu. Isso foi antes da reforma que rebaixou o gramado e ampliou a capacidade de público. Mas a atmosfera daquele dia 30 foi totalmente diferente ao ponto de chegarmos na porta e meu pai virar pra mim: "Aconteça o que acontecer, já valeu a experiência." E eu concordei. 

Compramos ingressos para o setor Belgrano, a parte mais alta no meio de campo do gramado. Para chegar lá, ao contrário dos estádios brasileiros, uma longa e grande escadaria nos esperava. Subimos devagar e com atenção porque meu pai já tem mais de 65 anos e eu tenho asma. Mal sabíamos que estávamos diante das escadas para o paraíso. 

O que aconteceu durante aqueles 90 minutos, todos já sabem. Até quem não gosta de futebol e não tem porque eu contar mais uma vez.

Por uma decisão policial, a saída da torcida do Botafogo após o jogo só foi liberada enquanto não houvesse um único torcedor do Atlético no estádio. Demorou um pouco. Mas todos botafoguenses desceram juntos a escada que os levava de volta a terra dos humanos, dos mortais. Já tínhamos tocado o Paraíso. 

No caminho de volta, uma imagem vai ficar marcada na minha mente: os moradores locais saudavam nossa torcida. Um homem com um cachorro e a filha pequena nos aplaudia em sua casa. No quarteirão adiante, uma criança nos acenava e dava um sorriso. Um torcedor do River agradecia pela "vingança" em cima do Atlético e outro queria trocar a camisa conosco. Mas isso já não era possível. A nossa já estava untada da Glória Eterna. 

A América do Sul de ponta a ponta, chorando e vibrando, saudando o Botafogo campeão. 

Foto: Acervo pessoal


quinta-feira, 12 de dezembro de 2024

Benditas sejam as superstições

 

Todo botafoguense tem uma superstição. E essa é atualizada a cada resultado do time. Comigo não podia ser diferente. Após a derrota para o Junior Barranquilla no Nilton Santos pela Libertadores, passei a usar a camisa que tem um boneco do Tiquinho no peito. Usei o mesmo colar, o mesmo relógio, a mesma pulseira e o  mesmo tênis até o final da competição. Só trocava a calça por bermuda dependendo das condições climáticas. 

Essa pulseira aí da foto eu comecei a usar desde o ano passado. Comprei no sul da Bahia feita pelos índios pataxós (conheçam a história deles!) e uso diariamente. Já o "relógio da sorte" eu ganhei tem uns anos. Passei a ir aos jogos com ele porque as cores combinavam: preto e branco. 

Não lembro quando foi que percebi o poder da combinação relógio-pulseira. Eu estava em Goiás de férias quando o Botafogo venceu a LDU em maio. Foi o único jogo no Nilton Santos na Libertadores que não fui. Como as datas do torneio ainda não tinham sido divulgadas quando comprei as passagens, a solução foi ver o jogo da TV do hotel. A partida foi ficando perigosa, a equipe equatoriana teve um gol anulado e eu resolvi apelar para a superstição. Tinha usado aquela combinação antes então resolvi tentar. Mesmo de pijama, coloquei o relógio e a pulseira para ver o jogo deitada na cama do hotel. Funcionou e continuei o ritual. 

No jogo de volta contra o Palmeiras pela Libertadores eu estava em casa no Rio. Quando o Botafogo sofre o terceiro gol, eu dei um chilique. Falei para o meu pai que não tinha condição de assistir uma disputa de pênaltis, que ia descer, ficar na praça da rua, na portaria, sei lá. Não queria ver o final. Enquanto trocava de roupa para descer, coloquei o relógio e fui ao banheiro revoltada. Quando voltei, o VAR estava revisando o lance que anulou o gol de Gustavo Gómez. 

No jogo de volta contra o São Paulo, eu tinha quase certeza que o Botafogo não venceria nos pênaltis. Até comentei isso com minha mãe "vamos ser eliminados". Mas coloquei a pulseira e o relógio por via das dúvidas. 

Assim, não havia como não levar o relógio e a bateria para Buenos Aires comigo. Mas tínhamos um problema: a bateria do relógio e eu não queria trocá-la porque estava dando sorte. E assim fui para a Argentina com a pulseira no braço e o relógio sem funcionar na mochila.

Em Buenos Aires, usei um relógio que funcionava. Mas no dia 30 não tinha jeito: era aquele mesmo com a pulseira, a camisa, o colar e o tênis de todos os jogos. Avisei ao meu pai antes do jogo: "Hoje não adianta me perguntar o horário. O relógio não está funcionando, mas é esse mesmo que eu vou usar. A hora a gente vai ter que ver no celular."

E como time que está ganhando não se mexe, a dobradinha relógio-pulseira se repetiu na última rodada do Brasileirão contra o São Paulo. Só a blusa mudou, pois cada campeonato tem sua camisa da sorte. 

Supersticiosa, eu?

Imagem: Arquivo pessoal

PS: Ah, fiquem tranquilos. Na segunda após a conquista do título do Campeonato Brasileiro, eu troquei a bateria do relógio. A pulseira eu continuo usando, mas dou algumas folgas merecidas para ela. 


quarta-feira, 11 de dezembro de 2024

Sinais

Um dia no primeiro semestre desse ano conversando com minha mãe durante um passeio, falei que tinha vontade de viajar no feriado da República. Resolvemos que íamos visitar Tiradentes, cidade de Minas Gerais que não conheço. Pesquisei hotéis, pousadas, ônibus, mas demorei a fazer a reserva. 

Até que um dia minha mãe me perguntou: "E aí, vamos para Tiradentes mesmo?". Isso já estava martelando na minha cabeça há dias, mas confessei: "Mãe, existe uma possibilidade muito remota do Botafogo estar na final da Libertadores nesse período. A final vai ser dia 30. Acho quase impossível estar, vamos enfrentar o favorito Palmeiras e depois mais pedreiras pela frente se avançarmos. Caso exista essa possibilidade, você gostaria de ir para Buenos Aires comigo?" Ela não liga para futebol, mas topou porque conhece a cidade e gosta bastante.

O meses se passaram, o Botafogo foi avançando na Libertadores e eu acabei reservando uma pousada reembolsável em Tiradentes. 

Quando o time eliminou o São Paulo, eu comecei a pensar mais concretamente em Buenos Aires. Passei minhas férias no Nordeste, esfriei a cabeça e bati o martelo: vou comprar mesmo minhas passagens. Perguntei a minha mãe se ela queria ir. Ela não demonstrou muito interesse dessa vez, mas falou que se eu precisasse de companhia, ia comigo. Fiz a mesma pergunta ao meu pai e ele negou prontamente. 

Nesse mesmo dia fui trabalhar. Após voltar do plantão, minha mãe me falou que meu pai tinha mudado de ideia e estava todo animado para ir. 

O motivo? Arrumando um dos quartos da casa, ele encontrou um chaveiro em forma de taça da Libertadores do Botafogo que compramos em uma das nossas primeiras idas à Argentina. O nosso time nunca tinha sido campeão do torneio, mas compramos aquela lembrança da Caminito há mais de 15 anos. Meu pai viu ali um sinal: ele ia comigo. 

Compramos as passagens e o pacote antes da semifinal contra o Peñarol. Após alguma hesitação, decidimos que viajaríamos mesmo se o Botafogo não estivesse na final.

Aquele foi o primeiro sinal de muitos outros: o 11° andar do hotel, número preferido do meu pai. Os gols marcados pela mística camisa 7,  a 13 do meu ídolo Loco Abreu (que também estava no estádio) e a 11. Os sete minutos de acréscimos.

E quando comecei a escrever essa série de crônicas, percebi que a última vez que tinha escrito aqui foi em 30 de novembro. Um ano antes da Glória Eterna. 

Um dia após a final, comprei todos os chaveiros iguais aquele primeiro que encontrei nas ruas do bairro de San Telmo e dei para os meus amigos do trabalho. 

Há muitos outros sinais por aí...

O meu primeiro tinha um formato de um chaveiro. 

Imagem: Arquivo pessoal

terça-feira, 10 de dezembro de 2024

Carta de um pai

Após a derrocada no final do ano passado, meu pai me escreveu um texto. 

Depois da final da Libertadores, ele recuperou essa mensagem. Oito dias depois, me mandou o texto  novamente após a conquista do tricampeonato brasileiro. Vou compartilhar com vocês. 

"A vida me ensinou a aceitar certas coisas coisas  que não conseguimos mudar.

Acho que dias melhores virão. 

Não vamos esquecer que esse clube esteve para acabar.

Vamos lembrar que vimos jogos memoráveis esse ano e atuações de gala que nos deram muitos dias felizes. 

Nessas horas serve de consolo pelo menos para mim.

O Brasil perdeu a copa de 82 e até hoje falam que foi uma grande seleção. Acho que se aplica aqui também. Ninguém fez um turno jogando e fazendo pontos como nós. Quem for o campeão não terá chegado nem perto do futebol que nós jogamos.

Fica para uma próxima vez o título. Tenho certeza que você ainda ficará muito feliz e se lembrará do que estou escrevendo agora.

Beijos de um botafoguense que tem uma filha ainda mais botafoguense." 

Foto: Vítor Silva/BFR

segunda-feira, 9 de dezembro de 2024

Fui escolhida


Como começou a minha paixão pelo Botafogo? Difícil explicar. Quando passei a me entender como gente, já carregava a estrela solitária no peito. A única certeza que tenho que foi influência do meu pai, botafoguense que viu a maior parte dos grandes times do Glorioso. 

Se não me recordo bem como começou essa paixão, lembro bem do meu primeiro jogo no estádio: Botafogo x Friburguense no antigo Maracanã em 1999. Eu tinha sete anos. Meu pai levou todo a família: eu, minha mãe e meu irmão. Dois anos mais velho, meu irmão já tinha ido a um estádio. A única debutante ali era eu. O jogo foi escolhido a dedo: contra um time fraco no Campeonato Carioca para não ter confusão nem tumulto. 

Aquela tarde ficou conhecida como o dia em que "nevou no Maracanã". 1 a 0 Friburguense. Gol de Nevada. 

Do desastre, nasceu uma torcedora. Nunca quis ser maioria. Detesto. Nem Maria vai com as outras. Apesar de quietinha e tímida, tinha minha própria personalidade. 

"Não escolho, fui escolhida". 

Imagem: Arquivo pessoal