segunda-feira, 25 de maio de 2020

Do que é feito um ídolo (no futebol)?




Eu poderia começar esse texto com uma citação do dicionário e a pergunta estaria respondida. Mas nem sempre o Aurélio traz a melhor das definições e muito menos as debate. Sem falar, que soaria bastante piegas.

O mote desse texto veio após a publicação nas últimas quatro segundas-feiras da lista dos 30 maiores ídolos de cada um dos quatro grandes clubes cariocas elaborada pelo jornal O Globo. Os primeiros colocados são justos e previsíveis (Zico no Flamengo, Castilho no Fluminense, Roberto Dinamite no Vasco e Garrincha no Botafogo). Talvez a maior “polêmica” esteja entre Garrincha e Nilton Santos no topo da lista alvinegra. Mas o objetivo aqui não é analisar a colocação de cada um nem cornetar a solução (criativa) do jornal para a ausência de pautas esportivas durante a pandemia. Listas são naturalmente polêmicas e sempre rendem discussões. A minha ideia é tentar entender o que faz um jogador ser considerado um ídolo de um clube.

Acho que quem define quem é ídolo é o torcedor. Só aquele que ama uma instituição, que sofre por ela, xinga e vibra na arquibancada pode ter a resposta. Por mais que um especialista no assunto possa querer colocar na manchete “O ídolo fulano...” só quem ama aquele clube pode dizer se ele tem razão ou não.

Conquistar títulos importantes pode ser um dos requisitos para se alcançar a idolatria no esporte. Mas não é algo obrigatório. Ou você vai tirar essa condição de Mendonça e Heleno de Freitas no Botafogo? (Aqui peço licença ao leitor pois como disse, o coração me faz opinar sobre o clube da estrela solitária ). E também há o exemplo inverso: aos 33 anos, Egídio tem três campeonatos brasileiros, três Copas do Brasil, oito estaduais e uma Copa do Nordeste e desconfio de que não seja ídolo nem no Flamengo, Cruzeiro ou Palmeiras.

Muitas vezes associamos o conceito de ídolo como o de craque, mas essa comparação também não é correta ao meu ver. O talento de Seedorf dentro de campo é incontestável, mas para muitos botafoguenses, ele não é ídolo do clube (embora esteja na lista do Globo). Duas vezes eleito melhor jogador do mundo pelo Barcelona, Ronaldinho Gaúcho não entra na lista de ídolos do Flamengo.

O distanciamento histórico também pode pesar. Como saber o real tamanho de um jogador jovem e que está no auge da carreira como Gabigol? A conquista do Brasileiro e da Libertadores já garantiu ao artilheiro o posto de quinto lugar no ranking do Fla, mas será possível ele subir mais? A renovação de contrato até 2024 indica que sim, mas isso depende de como serão os próximos anos, como o jogador vai conduzir sua carreira. Ele pode tentar voltar à Europa e deixar os torcedores rubro-negros com um gostinho de quero mais, como brigar com o clube por alguma razão menor e perder o posto no coração de alguns torcedores.

O tempo de casa também conta. Gum “Guerreiro” é um zagueiro com qualidade que pode ser contestada, mas sua dedicação em nove anos de Fluminense entre fugas de rebaixamento e títulos brasileiros marcou os tricolores (ele é 15 ° colocado na lista do Flu). Terceiro jogador que mais vestiu a camisa do Botafogo (atrás apenas de Nilton Santos e Garrincha), Jefferson não conquistou um título nacional de expressão pelo Botafogo, mas não abandonou o time na pior: colocou em risco sua titularidade na Seleção Brasileira para disputar uma série B com o time que aprendeu a amar (10° na lista). Fábio, multicampeão pelo Cruzeiro, também aceitou ficar no clube na segunda divisão e ajudar na reconstrução do clube.

Então, voltamos à pergunta do título. Não sei se é porque sou jornalista e gosto de bons enredos, mas para mim um ídolo é feito de boas histórias. O talento ajuda, os títulos e a identificação também, mas sobretudo uma boa trama. E ela não precisa contar apenas a parte boa da vida, pois sabemos que os melhores filmes não são feitos só de bons momentos. Há tristeza, agonia antes da superação, dos atos heroicos.  No caminho da idolatria, as melhores histórias passam por jejum, rivalidade e sofrimento. O coração pela razão.

Imagens: Bruno Baketa/AGIF.