quarta-feira, 18 de dezembro de 2013

O homem invisível

O jornalista do Fantástico que não pode mostrar seu rosto

Se um dia você encontrar com ele na rua, passará direto. Dono dos principais prêmios dedicados à imprensa brasileira (Esso, Embratel, Libero Badaró, Direitos Humanos de Jornalismo, entre outros), Eduardo Faustini é lembrado no Brasil inteiro por suas reportagens no Fantástico, mas poucos conhecem seu rosto. Por medida de segurança, ele não pode exibi-lo.

Na sede da Rede Globo, onde trabalha, basta dar uma volta para ver como ele é querido por seus colegas. Não há um que não pare para cumprimentá-lo. O reconhecimento é justo. Faustini é um dos principais jornalistas do país e autor de grandes reportagens investigativas na TV. Em uma das mais recentes, ele se passou por um gestor de compras do Hospital de Pediatria da UFRJ e flagrou com suas câmeras escondidas esquemas de propina e manipulação de resultados em licitações na área de saúde. Seu objetivo, ele garante, “não é punir nem prender alguém, mas sim informar”. A punição ele deixa com a polícia.

Faustini também já mostrou a falta de preparo dos principais aeroportos brasileiros, ao despachar em uma mala uma réplica de AR-15, um pacote de açúcar simulando cocaína e R$100 mil em notas falsas. Não foi parado em nenhuma das viagens.

O jornalista recebe ameaças diárias e não pode deixar a sede da emissora sem a presença de seus seguranças que o acompanham 24h por dia. Quando faz uma grande reportagem, é obrigado a sair do país por tempo indeterminado. Nessa entrevista, Faustini não conta detalhes de sua vida pessoal, família e intimidade.  É a sua vida que está em jogo.

Como você começou no jornalismo? Chegou a cogitar outro curso?
Sempre quis fazer jornalismo. Trabalhei em jornal, fiz um pouco de esporte. Estou há 18 anos no Fantástico, mas passei pelo SBT e Manchete também. Fiz o programa Documento Especial, que tinha uma audiência muito grande. Lá era a notícia que chamava a atenção, o repórter não mostrava seu rosto.

Como é o processo de criação de suas matérias? Você que surge com uma ideia e faz uma pauta ou aceita sugestões dos outros jornalistas?
Noventa e nova por cento das pautas são minhas, eu mesmo que sugiro. Preciso acreditar muito na minha pauta, mas quando geralmente a escolho é porque já pesquisei bastante e sei como fazer. Recebo muitas sugestões por e-mail, redes sociais e pelo denuncie.eduardofaustini@gmail.com. Às vezes, uma pequena denúncia é um start para algo maior. Gosto muito do que está no imaginário popular: todo mundo sabe que existe, mas na TV é a primeira vez em que é mostrado. A força da imagem e do vídeo é muito grande.  Tudo o que eu falo tenho que mostrar.

Quanto tempo você gasta em cada uma de suas matérias? Você trabalha exclusivamente nela?
Em média, dois meses trabalhando exclusivamente em cada matéria. O jornalismo investigativo demanda muito tempo e nem sempre traz resultados. Já teve uma vez em que fiquei 12 horas num lugar para fazer uma imagem de 15 segundos.

Você tem preocupações sobre qual roupa vestir em determinadas ocasiões, de acordo com a matéria?
Você é o que você veste. O visual é muito importante. Preciso estar vestido de acordo como que faço, com o ambiente frequentado.

Quais os “infiltrados” brasileiros você admira?
Em revista são vários. Mas sei mais de TV, porque é o que acompanho. Gosto do Giovani Grizotti, (RBS); do Tyndaro Menezes (Rede Globo), que trabalha mais com os bastidores; do Rubens Valente (Folha de São Paulo); do Amaury Ribeiro Jr (autor do livro “A privataria tucana”) e do Caco Barcellos (Rede Globo).

Qual a diferença entre o jornalismo investigativo e os demais tipos de profissionais dessa área?
O jornalista investigativo nunca está satisfeito com a apuração. Ele não se conforma só com o quê, quem, quando, onde, como e por quê. Ele quer mais. O jornalista investigativo não investiga para punir, nem prender, mas para informar. Quem investiga para punir é a polícia. Não quero saber se o ministro vai cair, se o dono da empresa vai ser preso...

A morte de Tim Lopes foi marcante. A partir daí, surgiu uma nova forma de tratamento entre repórteres e traficantes e um maior investimento em equipamentos de segurança. Desde então, o que mudou efetivamente em seu trabalho e no jornalismo investigativo?
A morte do Tim é um divisor. Ela jogou luz numa atividade que era feita na sombra, de forma solitária. Algumas pessoas pensavam que esse tipo de jornalismo estaria fadado ao fim. Mas aconteceu o contrário. O jornalismo investigativo ganhou muita visibilidade e se fortaleceu. Surgiu a Abraji (Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo) e a melhora nos equipamentos de segurança. Contudo, essa visibilidade me preocupa. O repórter não é artista, nem celebridade.

Você se sente incomodado em não poder receber pessoalmente seus prêmios?
Fico vaidoso e guardo todos os meus prêmios. Já ganhei todos eles. Só não posso é buscar. Mas não faço matéria para ganhar prêmio, nem acredito que alguém faça isso.

Não conhecer seu rosto dificulta o reconhecimento das pessoas ao seu trabalho?
As pessoas não me conhecem, mas acompanham meu trabalho e rezam por mim. É uma  relação de família. Elas me alimentam. Gosto muito desse retorno do publico. 

Alguns advogados (Bruno Silva Rodrigues e Diego Tebet da Cruz) escreveram um artigo após sua mais recente matéria (em que atua como gestor da UFRJ e mostra as fraudes nas licitações da saúde) dizendo que o que você faz não é constitucional. Você tomou ciência desse material?
Pergunto a serviço de quem eles fizeram isso. Não entro na questão jurídica, pois não sou advogado. Faço isso (trabalho com câmera escondida e jornalismo investigativo)  em TV há quase 30 anos e nunca fui processado. Ao contrário: sou sempre escolhido como testemunha do Ministério Público e da Polícia Federal. Pratico o jornalismo investigativo com responsabilidade social. Durmo tranquilo, porque sei que estou fazendo a coisa certa. Eu faço apenas, não coloco no ar. A direção aprova e coloca na TV.

No mesmo artigo, eles reclamam do uso da câmera escondida...

A microcâmera é meu último recurso. Sempre me pergunto se não é possível usar a câmera aberta. Até porque elas costumam ser de péssima qualidade, você não sabe o que está filmando. É como um voo cego. Em casa com a TV em HD, o telespectador sente a diferença na qualidade das imagens.

Não dá um certo nervosismo quando você faz essas matérias de denúncia? Como você lida com o medo?
Não é só o medo do perigo. É o medo de não dar certo. Sem ele, você não tem parâmetro e coloca a equipe em risco. Mas o medo geralmente eu só sinto depois, quando meu corpo reage e fico com febre.  Na hora eu tenho que falar firme. Não sinto fome, nem sede. Desenvolver esse domínio sobre o corpo é fundamental. Ninguém fica nervoso no dia-a-dia.  Se eu tremer ou gaguejar, ponho tudo a perder. Sinto-me mais tranquilo fazendo uma matéria do que sendo entrevistado.

De todas as suas reportagens, qual você sentiu mais medo?
Foi quando estive dentro do “caveirão” da polícia. Senti muito medo. Seria a única matéria em que não faria de novo. Eram 12 homens dentro de um carro atirando, na mesma favela em que o Tim tinha sido morto. Me senti como um patinho no parque.  

Como você reage às ameaças que recebe?
Isso acontece em qualquer matéria. Já mando entrar na fila para me matar. Não é deboche. As pessoas ligam aqui para a redação e eu escuto aquele bando de besteiras.  Na maioria das vezes, é um desabafo. A própria família do acusado não acredita e se sente no direito de me ameaçar ao telefone.

Em entrevista à Revista Trip você contou como é difícil a sua rotina e de sua família fora do ambiente de trabalho. Você comenta em casa sobre as matérias que está apurando?
Não comento com ninguém sobre minhas matérias. Mas, pela chamada, minha família já sabe quando é o meu material. Antes meus vizinhos me ligavam depois da reportagem ir ao ar, perguntando o porquê de continuar fazendo aquilo. Mas não adianta: não consigo parar. É o meu vício.
Como é sua relação com sua família e filhos? O que gosta de fazer nas horas de folga?Não tenho problemas com minha família. Consigo acompanhar bem os meus filhos. Gosto de ir ao restaurante com eles, de viajar, assistir os jogos do Vasco... Tento fazer da minha casa um lugar aconchegante.

O jornalista Regis Rösing diz que você é Deus.  Você é reverenciado por todos. Mas como você se definiria, Eduardo Faustini por Eduardo Faustini?
Isso é uma brincadeira do Regis, que é meu amigo. Sou um repórter com muitas limitações e sei mais do que ninguém delas. Mas me dedico muito e sou um apaixonado pelo que faço. Não tenho privilégios, sou como qualquer um na redação.

Há alguma nova matéria que você ainda gostaria de fazer?
Tenho o projeto de entrar com micro câmeras em vários lugares, aonde ninguém desconfia. O maior castigo que Deus poderia me dar é a doença de Parkinson. Aí não teria como eu realizar essas matérias...

Quais dicas você daria para um repórter que quer se infiltrar?
Nenhuma faculdade forma jornalista investigativo. Isso é uma coisa que se conquista no dia-a-dia. A primeira coisa é você gostar do que faz. Pensar se gostaria de estar naquele lugar e naquelas condições. O jornalismo é um trabalho de risco, sem glamour. O Brasil tem uma grande quantidade de jornalistas mortos. Depois, é necessário se dedicar, procurar equipamentos e conhecimento.  Hoje as pessoas têm seu espaço mesmo sem aparecer no vídeo.  Nenhuma matéria vale uma vida, mas você não pode deixar de ter um risco calculado.

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