quinta-feira, 6 de outubro de 2011

Reclusão

Já faz uma semana que ele não sai de casa direito. Suas saídas se resumem a ir ao mercadinho da esquina comprar algum mantimento ou ao banco pagar as despesas. Fora isso, é quase impossível vê-lo na rua atualmente.

Alguns amigos e familiares até tentaram tirá-lo de casa. Convites para festas, jantares e cinemas não faltaram. Ele agradeceu e recusou educadamente todas as ofertas.



Tem até evitado ver televisão e atender ao telefone. Precisa de concentração total. Está em vias de terminar seu primeiro romance. O sonho de escrever seu primeiro livro está cada vez mais próximo. Mas ele ainda precisa rever certos trechos e "lapidar" outros, como ele mesmo gosta de falar. Nesse processo, qualquer descuido pode ser fatal e comprometer a qualidade do trabalho. Por isso, essa exclusão voluntária.

À medida que o prazo final se aproxima, mais ansioso ele fica. Por vezes, sente um mal-estar. Já tomou alguns remédios para ver se a indisposição passava. Tentativa frustrada.

Sobre o escritor, pouco se sabe. Só os amigos mais próximos e familiares tem contato com ele. A maioria de seus ex-colegas de faculdade nunca ouviu falar. Quando alguém consegue ter uma vaga lembrança, não associa o nome à pessoa.

Contudo, ele já se acostumou com essa vida. Prefere a privacidade de sua casa a superexposição de lá fora. Não tem  muito ânimo para sair. Não gosta de ficar até tarde na rua. Difícil é explicar isso para seus conhecidos: são tão comunicativos e  ele sempre com aquele ar desconfiado, sobrancelha levantada e fechado. Quem não o conhece direito pode achar à primeira vista que é antipático. Não é verdade. É apenas o seu jeito quieto e monossilábico.


Quem já conhece seu trabalho por meio das crônicas que publica nos jornais da região quer saber mais sobre ele. Sua vida, seus gostos e interesses. Mas ele não gosta de falar muito, nem dá entrevistas sobre o assunto. Não gosta de expor sua intimidade, ainda que isso possa soar estranho em uma era como essa. Quer ser reconhecido, na verdade, pelo seu trabalho.

Os editores reclamam que essa postura pode atrapalhar as vendas do livro. Querem que ele seja mais solto, fale mais de sua vida e promova o livro. Mas para o escritor o que precisa ser falado, já foi dito. Provavelmente, nem todos perceberam isso. Sim, porque quando ele cria um conto, uma crônica ou o que quer que seja, parte de sua vida está escrita naquelas linhas, ainda que implicitamente. Os personagens e as histórias podem ser fictícias, mas sua forma de ver o mundo e suas experiências também estão presentes na narrativa. Só que misturadas em meio à imaginação, a doses de dramas, ironia...

Pena que nem todos enxerguem essa sua intimidade.

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