O
jornalista do Fantástico que não pode mostrar seu rosto
Se um dia
você encontrar com ele na rua, passará direto. Dono dos principais prêmios
dedicados à imprensa brasileira (Esso, Embratel, Libero Badaró, Direitos
Humanos de Jornalismo, entre outros), Eduardo Faustini é lembrado no Brasil
inteiro por suas reportagens no Fantástico, mas poucos conhecem seu rosto. Por medida de segurança, ele não pode
exibi-lo.
Na sede da
Rede Globo, onde trabalha, basta dar uma volta para ver como ele é querido por
seus colegas. Não há um que não pare para cumprimentá-lo. O reconhecimento é justo. Faustini é um
dos principais jornalistas do país e autor de grandes reportagens
investigativas na TV. Em uma das mais recentes, ele se passou por um gestor de
compras do Hospital de Pediatria da UFRJ e flagrou com suas câmeras escondidas
esquemas de propina e manipulação de resultados em licitações na área de saúde.
Seu objetivo, ele garante, “não é punir nem prender alguém, mas sim informar”.
A punição ele deixa com a polícia.
Faustini também já mostrou a
falta de preparo dos principais aeroportos brasileiros, ao despachar em uma
mala uma réplica de AR-15, um pacote de açúcar simulando cocaína e R$100 mil em
notas falsas. Não foi parado em nenhuma das viagens.
O jornalista recebe ameaças
diárias e não pode deixar a sede da emissora sem a presença de seus seguranças
que o acompanham 24h por dia. Quando faz uma grande reportagem, é obrigado a
sair do país por tempo indeterminado. Nessa entrevista, Faustini não conta
detalhes de sua vida pessoal, família e intimidade. É a sua vida que está em jogo.
Como você começou no jornalismo?
Chegou a cogitar outro curso?
Sempre
quis fazer jornalismo. Trabalhei em jornal, fiz um pouco de esporte. Estou há
18 anos no Fantástico, mas passei pelo SBT e Manchete também. Fiz o programa
Documento Especial, que tinha uma audiência muito grande. Lá era a notícia que
chamava a atenção, o repórter não mostrava seu rosto.
Como é o processo de criação de
suas matérias? Você que surge com uma ideia e faz uma pauta ou aceita sugestões
dos outros jornalistas?
Noventa
e nova por cento das pautas são minhas, eu mesmo que sugiro. Preciso acreditar
muito na minha pauta, mas quando geralmente a escolho é porque já pesquisei
bastante e sei como fazer. Recebo muitas sugestões por e-mail, redes sociais e
pelo denuncie.eduardofaustini@gmail.com.
Às vezes, uma pequena denúncia é um start
para algo maior. Gosto muito do que está no imaginário popular: todo mundo sabe
que existe, mas na TV é a primeira vez em que é mostrado. A força da imagem e
do vídeo é muito grande. Tudo o que eu
falo tenho que mostrar.
Quanto tempo você
gasta em cada uma de suas matérias? Você trabalha exclusivamente nela?
Em média, dois meses trabalhando exclusivamente em cada matéria.
O jornalismo investigativo demanda muito tempo e nem sempre traz resultados. Já
teve uma vez em que fiquei 12 horas num lugar para fazer uma imagem de 15
segundos.
Você tem preocupações sobre qual
roupa vestir em determinadas ocasiões, de acordo com a matéria?
Você
é o que você veste. O visual é muito importante. Preciso estar vestido de
acordo como que faço, com o ambiente frequentado.
Quais os “infiltrados” brasileiros
você admira?
Em revista são vários. Mas sei mais de TV, porque é o que
acompanho. Gosto do Giovani Grizotti, (RBS); do Tyndaro Menezes (Rede Globo),
que trabalha mais com os bastidores; do Rubens Valente (Folha de São Paulo); do
Amaury Ribeiro Jr (autor do livro “A privataria tucana”) e do Caco Barcellos
(Rede Globo).
Qual a diferença
entre o jornalismo investigativo e os demais tipos de profissionais dessa área?
O jornalista investigativo
nunca está satisfeito com a apuração. Ele não se conforma só com o quê, quem,
quando, onde, como e por quê. Ele quer mais. O jornalista investigativo não investiga para punir, nem
prender, mas para informar. Quem investiga para punir é a polícia. Não quero
saber se o ministro vai cair, se o dono da empresa vai ser preso...
A morte de Tim Lopes foi marcante.
A partir daí, surgiu uma nova forma de tratamento entre repórteres e
traficantes e um maior investimento em equipamentos de segurança. Desde então,
o que mudou efetivamente em seu trabalho e no jornalismo investigativo?
A
morte do Tim é um divisor. Ela jogou luz numa atividade que era feita na
sombra, de forma solitária. Algumas pessoas pensavam que esse tipo de
jornalismo estaria fadado ao fim. Mas aconteceu o contrário. O jornalismo
investigativo ganhou muita visibilidade e se fortaleceu. Surgiu a Abraji
(Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo) e a melhora nos
equipamentos de segurança. Contudo, essa visibilidade me preocupa. O repórter
não é artista, nem celebridade.
Você se sente incomodado em não poder receber pessoalmente seus prêmios?
Fico vaidoso e guardo todos os meus prêmios.
Já ganhei todos eles. Só não posso é buscar. Mas não faço matéria para ganhar
prêmio, nem acredito que alguém faça isso.
Não conhecer seu rosto dificulta o reconhecimento das pessoas ao seu
trabalho?
As pessoas não me conhecem, mas acompanham meu
trabalho e rezam por mim. É uma relação
de família. Elas me alimentam. Gosto muito desse retorno do publico.
Alguns
advogados (Bruno Silva Rodrigues e Diego Tebet da Cruz) escreveram um artigo
após sua mais recente matéria (em que atua como gestor da UFRJ e mostra as
fraudes nas licitações da saúde) dizendo que o que você faz não é
constitucional. Você tomou ciência desse material?
Pergunto a
serviço de quem eles fizeram isso. Não entro na questão jurídica, pois não sou
advogado. Faço isso (trabalho com câmera escondida e jornalismo investigativo) em TV há quase 30 anos e nunca fui processado.
Ao contrário: sou sempre escolhido como testemunha do Ministério Público e da
Polícia Federal. Pratico o jornalismo investigativo com responsabilidade
social. Durmo tranquilo, porque sei que estou fazendo a coisa certa. Eu faço
apenas, não coloco no ar. A direção aprova e coloca na TV.
No mesmo artigo, eles reclamam do uso da câmera
escondida...
A microcâmera
é meu último recurso. Sempre me pergunto se não é possível usar a câmera aberta.
Até porque elas costumam ser de péssima qualidade, você não sabe o que está
filmando. É como um voo cego. Em casa com a TV em HD, o telespectador sente a
diferença na qualidade das imagens.
Não dá um certo nervosismo quando você
faz essas matérias de denúncia? Como você lida com o medo?
Não é só o medo do perigo. É o medo de não dar
certo. Sem ele, você não tem parâmetro e coloca a equipe em risco. Mas o medo
geralmente eu só sinto depois, quando meu corpo reage e fico com febre. Na hora eu tenho que falar firme. Não sinto
fome, nem sede. Desenvolver esse domínio sobre o corpo é fundamental. Ninguém
fica nervoso no dia-a-dia. Se eu tremer
ou gaguejar, ponho tudo a perder. Sinto-me mais tranquilo fazendo uma matéria
do que sendo entrevistado.
De todas as suas reportagens, qual você sentiu mais medo?
Foi quando estive dentro do “caveirão” da
polícia. Senti muito medo. Seria a única matéria em que não faria de novo. Eram
12 homens dentro de um carro atirando, na mesma favela em que o Tim tinha sido
morto. Me senti como um patinho no parque.
Como você reage às ameaças que recebe?
Isso acontece em qualquer matéria. Já mando
entrar na fila para me matar. Não é deboche. As pessoas ligam aqui para a
redação e eu escuto aquele bando de besteiras.
Na maioria das vezes, é um desabafo. A própria família do acusado não
acredita e se sente no direito de me ameaçar ao telefone.
Em entrevista à Revista Trip você contou como é difícil a sua rotina e
de sua família fora do ambiente de trabalho. Você comenta em casa sobre as
matérias que está apurando?
Não comento com ninguém sobre minhas matérias.
Mas, pela chamada, minha família já sabe quando é o meu material. Antes meus
vizinhos me ligavam depois da reportagem ir ao ar, perguntando o porquê de
continuar fazendo aquilo. Mas não adianta: não consigo parar. É o meu vício.
Como é sua relação com sua família e
filhos? O que gosta de fazer nas horas de folga?Não tenho problemas com
minha família. Consigo acompanhar bem os meus filhos. Gosto de ir ao
restaurante com eles, de viajar, assistir os jogos do Vasco... Tento fazer da
minha casa um lugar aconchegante.
O jornalista Regis Rösing diz que você é Deus. Você é reverenciado por todos. Mas como você
se definiria, Eduardo Faustini por Eduardo Faustini?
Isso é uma brincadeira do Regis, que é meu
amigo. Sou um repórter com muitas limitações e sei mais do que ninguém delas. Mas
me dedico muito e sou um apaixonado pelo que faço. Não tenho privilégios, sou
como qualquer um na redação.
Há alguma nova matéria que você ainda gostaria de fazer?
Tenho o projeto de entrar com micro câmeras em
vários lugares, aonde ninguém desconfia. O maior castigo que Deus poderia me
dar é a doença de Parkinson. Aí não teria como eu realizar essas matérias...
Quais dicas você daria
para um repórter que quer se infiltrar?
Nenhuma faculdade forma jornalista investigativo. Isso é uma
coisa que se conquista no dia-a-dia. A primeira coisa é você gostar do que faz. Pensar se gostaria de
estar naquele lugar e naquelas condições. O jornalismo é um trabalho de risco,
sem glamour. O Brasil tem uma grande quantidade de jornalistas mortos. Depois,
é necessário se dedicar, procurar equipamentos e conhecimento. Hoje as pessoas têm seu espaço mesmo sem
aparecer no vídeo. Nenhuma matéria vale
uma vida, mas você não pode deixar de ter um risco calculado.
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