Com 46 anos de carreira, o repórter Andrew
Jennings revelou bastidores de entidades esportivas, como o COI (Comitê
Olímpico Internacional) e a Fifa (Federação Internacional de
Futebol). Bem-humorado e atencioso, o jornalista escocês está sempre
aberto para dar entrevistas e ensinar os caminhos da profissão. Nesta
entrevista, o autor de “Jogo Sujo – o Mundo Secreto da Fifa” fala sobre sua
trajetória profissional, comenta o significado dos protestos de junho e dá
dicas para jornalistas iniciantes começarem suas próprias investigações.
Como e quando surgiu seu interesse
por investigar esportes?
Na realidade, eu nunca investiguei esportes e não
sei nada sobre esportes. Eu sou investigador de corrupção. Ao longo dos anos,
fiz diversas investigações sobre corrupção e, inclusive, fui repórter de guerra
em 1989, quando Beirute estava sendo bombardeada.
Eu já fazia muita coisa, mas o que me inspirou foi
a ideia de um livro sobre a corrupção no COI (Comitê Olímpico Internacional),
que promove as Olimpíadas. Quando eu estava investigando o COI, e fiz isso por
um longo tempo, surgiram outros escândalos. Mas foi preciso tempo para perceber
que tinha algo muito errado com a FIFA. Então, quando um editor do London Daily
Mail me pediu para investigar a FIFA, eu falei não, porque teria que viajar por
todo o mundo. Mas, de qualquer jeito, acabei entrando nisso.
Então, não são matérias de esportes. Se me mandarem
cobrir um jogo, tenho certeza de que vou voltar para a redação com o placar
errado. Eu não estou interessado no jogo, estou interessado no fato de que
estão roubando a paixão do povo e no montante de dinheiro que isso rende.
Você escreveu um texto sobre os protestos durante a Copa das
Confederações,
em julho. O que você achou deles?
Eu acho que, no futuro, os brasileiros vão olhar
para esse momento como o renascimento da democracia. Ali, o povo disse não à
roubalheira. Eram pessoas da classe média, que estudaram, e pagam impostos. Muitas
dessas pessoas vão subir na carreira em alguns anos e vão se lembrar de terem
sido atacadas com gás lacrimogênio.
Meio milhão de pessoas nas ruas de São Paulo, uma
semana antes do início da Copa das Confederações! O que vocês fizeram foi
gritar: “vá para casa, Fifa, bando de ladrões! Nós não te queremos aqui!”. E
vocês devem fazer isso de novo quando a Fifa for se reunir, uma semana antes da
Copa do Mundo. Não deixem essa reunião acontecer. Sem violência, sem
bombas, sem pedras. Só vaias.
Vocês amam o seu futebol, mas não vão dar seu
dinheiro para um bando de corruptos. Vocês não precisam da Copa do Mundo,
porque não tem nenhum benefício em ser sede. Vocês podem só jogar nela. Os
brasileiros vão ver os jogos pela TV, de qualquer jeito, porque não vão conseguir
ingressos.
Qual o papel do jornalismo
investigativo nesses protestos populares?
Os amigos brasileiros com quem eu converso,
ativistas e jornalistas, acham que essas manifestações vão se intensificar de
novo. Esses protestos mostram que os brasileiros por todo o país estão com
raiva. Isso pode ser o renascimento da democracia, porque a democracia não
voltou realmente depois de 1985. Vocês têm uma ilusão de democracia, com
políticos corruptos em Brasília. Mas a Copa das Confederações acendeu uma faísca.
As pessoas disseram “Estamos fartos desses
políticos!”, foram para as ruas e os representantes ficaram seriamente
preocupados. Essas gigantescas manifestações mostraram que é possível frear o
[Joseph] Blatter.
O povo brasileiro não é mais estúpido, como a FIFA
pensava. E isso se deve muito aos bons repórteres que vocês têm e que fizeram
trabalhos investigativos maravilhosos, como Rodrigo Mattos e Lúcio de Castro.
Mas eu não posso fazer um balanço equilibrado da cobertura da mídia brasileira
nesses momentos, porque não tenho acesso a tudo que é produzido, já que não
falo português.
Os jornalistas têm que unir suas forças para
investigar os contratos, desvios de verbas e onde os gastos foram
superfaturados. Porque tem sempre um homem por trás. São os homens que assinam
os contratos. Quem pagou para que entrasse no projeto da Copa um estádio na
Amazônia? Quem assinou os documentos? A Amazônia é um lugar maravilhoso, mas
todos sabem que não precisa daquele estádio de futebol, assim como Brasília
também não precisa. Os políticos locais, ou quem quer que tenha assinado os
papéis, estes são os alvos.
Então, os jornalistas devem mostrar
ao público que a FIFA está explorando o Brasil?
Eu vou falar claramente. A FIFA não poderia
explorar o Brasil se o grupo em volta do [Ricardo] Teixeira não tivessem
tornado isso possível. Eles roubaram tanto que precisaram ser recompensados
pela FIFA, com a Copa do Mundo.
Como foi a eleição do Brasil para
sede da Copa do Mundo FIFA em 2014?
O Brasil não conseguiu a Copa porque é bom de
futebol, isso é totalmente desimportante. Em minha opinião, o Brasil conseguiu
a Copa do Mundo porque o Teixeira achou que conseguia roubar esse país cego,
construindo estádios e inflando preços.
O crime de Teixeira não é só o roubo de dinheiro, é
o fato de que ele abusou da paixão nacional. O ambiente era favorável para
roubar o Brasil, então ele persuadiu a FIFA, principalmente o Blatter, dizendo
que todos eram “estúpidos pelo futebol” aqui. Eles perceberam que podiam roubar
do futebol. Não há nada errado em ser um fã de futebol. Ter paixões é um
direito. Mas ele explorou isso e saiu impune por tanto tempo…
Você acha que uma mudança na
presidência da FIFA pode melhorar os problemas de corrupção?
Platini seria melhor do que o Blatter, mas ele
ainda não se manifestou, porque está tentando manter os votos dos corruptos.
Meu próximo livro será sobre isso, então não vou
falar mais para vocês (risos). Mas ele deve sair antes da Copa do Mundo. Então,
os brasileiros poderão saber mais detalhes sobre como foram ferrados.
Além de ser uma forma de a FIFA e das
pessoas no entorno da organização ganharem dinheiro, as empresas brasileiras
também estão lucrando. Você acha que existe algum tipo de acordo entre essas
partes?
Ah, sim. Teixeira está por trás dos contratos, não
é? Se um dos homens mais sujos da política e da economia brasileiras está por
trás dos contratos, você tem que escrutinar esses documentos. Tem que perguntar
a essas companhias o porquê. Mas não vá perguntar para os chefes, eles vão
inventar alguma desculpa para explicar porque a obra ficou mais cara. Procurar
os funcionários que definiram os custos do contrato, os profissionais que
estavam envolvidos na criação dos estádios e perguntar quais foram os custos. E
descobrir por que vocês vão ter esses estádios dos quais não precisam. Isso é
uma novidade para estrangeiros. Aqui a infraestrutura e o transporte são tão
ruins que os brasileiros nem vão para os estádios. Então, eles deveriam
construir a rua primeiro, depois o estádio.
Você acha que existe algum jeito de
diminuir a corrupção nos esportes, mais especificamente no Brasil?
É necessário democratizar a CBF (Confederação
Brasileira de Futebol). Eu acho que o Romário está fazendo uma Lei de Esportes
que deve ser boa. Ele está cercado por um bom time, então as propostas devem
ser boas.
Diferente do Bebeto e do Ronaldo, ele está
criticando. É bom que ele ganhou muito dinheiro com o futebol e, por isso, é
difícil que seja comprado. Quando as manifestações começaram, ele foi o
primeiro a apoiá-las publicamente. E, sendo das favelas, ele sabe que os
ingressos não estão lá, mesmo que lá estejam as pessoas que pagam os impostos
que pagam a Copa do Mundo. Eu não estou dizendo que ele é um líder, mas a voz
dele, como uma estrela do futebol, ajuda muito. Porque ele é uma voz genuína
dentro do esporte que vocês amam e todos sabem que não pode ser comprado.
Também não podem tirar os mil gols dele, dizendo “você ganhou a Copa de 1994,
quem se importa?” (risos). Ele é muito interessante porque está fazendo a coisa
certa e é intocável.
Se vocês acharem que ele não está indo longe o
suficiente, façam lobby com ele. Ele provavelmente vai escutar. Se vocês
apontarem coisas interessantes, ele pode ouvir e incluir nas propostas. Vocês
vão protestar e os congressistas vão tentar bloquear as propostas, e aí ele vai
listar quem está sendo contra. Aí os jornalistas de cada local vão investigar
porque esses políticos estão votando contra. É importante acompanhar quem vota
no que.
É difícil ter acesso ao documento
para fazer investigações mais profundas porque precisamos acionar as
assessorias de imprensa. Como contornar isso?
É uma longa batalha, você não vai ganhar rápido.
Assim como vocês têm uma batalha por democracia no Brasil. O que você faz é:
pesquisar cuidadosamente, elaborar as suas perguntas. Não 20, cinco já são
suficientes. E devem ser escritas cuidadosamente, sem abusos. Isso leva tempo,
não precisa se apressar.
Aí quando eles te mostrarem o dedo, você publica o
e-mail em pdf com a resposta deles. Não importa se eles não falarem com você,
jornalista, o problema é que eles não estão falando com o povo! Nós somos os
veículos, nós apenas transmitimos. Isso é o que eu chamo de “Guerra de
E-mails”: pensem bem nas suas perguntas.
Depois faça de novo alguns meses depois. Eles não
gostam de ver isso publicado. Mas é o que nós podemos fazer.
Às vezes, os assessores não gostam,
nos questionam porque estamos fazendo aquelas perguntas. Como lidar com isso?
É esse o ponto da “Guerra de E-mails”. Não fale “eu
tentei falar com o presidente da empresa e ele não respondeu”. Isso é muito
chato (imita um bocejo). Não temos como saber por que. Mas se você fizer a sua
pesquisa e definir as perguntas que o público gostaria de fazer, eles vão ler e
dizer “sim, era isso que eu queria saber. E eles não respondem!”. Então, você
usa o seu e-mail como prova. Por isso é sempre bom pedir para eles responderem
o e-mail, em vez de falar só por telefone. Bater neles não é a solução, e sim,
expô-los. E assim você expõe os vilões com sucesso.
Isso pode acontecer sistematicamente aqui e ali.
Vocês têm que aproveitar o fato de que esse é um país grande e existem ótimos
jornalistas fora do eixo Rio-São Paulo.
Que dicas você daria para alguém que
está começando uma carreira no jornalismo investigativo?
Comece pequeno. Investigando um time local, a
câmara municipal da sua cidade, uma empresa pequena que está fazendo alguma
coisa errada, como por exemplo, poluir o meio ambiente. Pedreiros não começam
construindo um grande prédio, mas uma casa pequena. Eles aprendam a técnica de
por tijolo em cima de tijolo, eles erram. É o desenvolvimento de uma
habilidade, assim como no jornalismo. Você aprende onde achar os tijolos, como
organizá-los.
Procure uma história escandalosa e investigue,
aprenda como fazer, inclusive com os erros. Converse com jornalistas
experientes. Eles vão dizer “não, não faça isso. Pergunte assim”. E assim você
constrói suas habilidades. Eu quero me aposentar, eu tenho 70 anos! Então vão
lá, levantem da cadeira, comecem a trabalhar e me tirem de cena! Quero ouvir:
“obrigada, Andrew. Tchau, nós assumimos agora”. É por isso que eu venho para
esses congressos, para inspirar, ensinar técnicas para que os jovens façam. Mas
não se pode começar com uma empreiteira. Para qualquer um de nós, repórteres
experientes, já é difícil. Ache uma coisa que você vá dar conta, mesmo que só
saia nos jornais locais. Assim você está aprendendo, vai ter sucessos e
fracassos. Comece pequeno porque você ainda não é grande. E, com sorte, você
vai ficar grande também.
Como identificar as boas pautas?
O Brasil tem pautas boas em qualquer lugar, porque
existe muita corrupção. O jornalista tem que desenvolver o faro. Está fedido
por aqui? Quem pagou por isso? Quem pagou por aquilo? Por que o prefeito está
com um novo carrão, se ele não ganha o suficiente para isso?
Então, seria basicamente seguir o
dinheiro?
Isso é um clichê, mas por que não? Use seus olhos,
procure pessoas boas dentro das organizações em quem você possa confiar e
descobrir coisas. Para depois você poder procurar documentos, corroborar e
transformar aquela pessoa em uma fonte.
Às vezes é melhor você ouvir uma
pessoa em off?
Sim, eu não quero as aspas, eu quero o documento.
Eu não quero mostrar um secretário, eu quero os arquivos. Para eles
dizerem: “Ricardo, olha essa merda no jornal!”. E a pessoa pode ir para casa
pensando: todos esses anos de bandidagem, e agora eu ajudei a desmascará-los e
eles não podem me rastrear.
Reorganizar a documentação para que não seja
possível identificar a fonte. Antes dos computadores, nós falaríamos para a
fonte fazer cópias dos documentos e deixar ao redor do escritório. Assim,
qualquer um poderia ter vazado, eles não olhariam para aquela pessoa.
E hoje em dia?
Dá para imprimir, tirar o cabeçalho, os carimbos de
escritórios, as datas. Só use a cabeça, pensando: eu estou tentando achar
formas para suprimir os jeitos de rastrear os documentos. Além de perguntar o
que preocupa a pessoa que se arriscou. Se ela achar melhor tirar uma parte do
documento porque isso vai apontar para ela, tire. Mesmo que seja uma parte
muito boa, você ainda terá o resto do documento. Converse com as pessoas, com
as fontes. Pergunte o que os preocupa e também o que é importante. Às vezes
você pode não perceber que um dado significa dinheiro indo para o primo de
alguém. Peça para eles te guiarem, te explicarem. Então escute, converse.
Quando estamos fazendo uma matéria
delicada como o Maracanã…
Não é uma questão delicada, é difícil. Porque as
pessoas querem saber o que aconteceu com o Maracanã. Você tem a população por
trás!
…você sente que está incomodando.
Eles que se fodam. Era o estádio do povo. Você sabe
o quanto ele estava enraizado na cultura carioca e o quanto ele importa para as
pessoas. Então quando você investiga, eles dizem “uau”.
É assim com toda a Copa do Mundo, não é? Mesmo com
a CBF sendo uma organização privada, o futebol é de interesse público, e o
dinheiro gasto vem dos impostos.
Texto: Giulia Afiune, Katryn Dias e Maria Clara
Modesto
Nenhum comentário:
Postar um comentário