O Botafogo que foi muito mal no Estadual e na Copa do Brasil começou a série B fora dos favoritos e vendo rivais como o Vasco e Cruzeiro à frente nos palpites de grande parte da imprensa.
Mas o que mudou nesse período para que o Botafogo embalasse de tal maneira e garantisse o acesso com antecedência? Uma das maneiras de contar essa história é através das escalações.
O Botafogo de Marcelo Chamusca que foi eliminado na Copa do Brasil no dia 14 de abril não tinha centroavante e apostou no garoto Matheus Nascimento de apenas 17 anos. A equipe que perdeu nos pênaltis para o ABC tinha: Douglas Borges, Jonathan, Kanu, Gilvan e Rafael Carioca (Paulo Victor). Luiz Otávio (Warley), Matheus Frizzo (Cesinha), Ricardinho, Felipe Ferreira e Marco Antônio (Marcinho). Matheus Nascimento (Gabriel).
Já a equipe que venceu o Operário e garantiu o retorno à primeira divisão estava escalada assim por Enderson Moreira em 15 de novembro: Diego Loureiro, Daniel Borges (Ronald), Joel Carli, Kanu e Hugo (Carlinhos). Luís Oyama, Pedro Castro (Barreto) e Chay (Matheus Frizzo). Marco Antônio (Warley), Diego Gonçalves e Rafael Navarro.
Apenas dois jogadores seguiram no time: Kanu e Marco Antônio. Mesmo assim, o último não era titular absoluto com Enderson, apesar de sua importância.
No início da temporada, o alvinegro apostou em Marcelo Chamusca, que chegou com a fama de "rei do acesso", o único treinador que tinha subido com seus clubes em todas as divisões do futebol brasileiro. A contratação na época foi elogiada, embora o último trabalho do treinador no Fortaleza não tivesse sido bom (uma vitória em nove jogos).
No Botafogo, Chamusca pôde indicar jogadores de sua confiança para o time. O alvinegro acertou com Rafael Carioca, Ricardinho, Marcinho e Felipe Ferreira a pedido do treinador. No final da temporada, Rafael Carioca já tinha sido mandado embora, Marcinho emprestado, Felipe Ferreira estava encostado e Ricardinho nem sempre era relacionado nas partidas.
Além das escolhas erradas, o Botafogo não ia bem em campo. Chegou a estar em 14º lugar na série B. Depois de muita pressão, a diretoria optou pela saída do treinador sem ter um plano B. Enquanto sondava outros treinadores e recebia vários "nãos", Ricardo Rezende assumia a equipe à beira do gramado, mas sem convicção nenhuma dos dirigentes alvinegros.
Como o trabalho do treinador do sub-20 não ia bem, o Botafogo resolveu ir ao mercado em busca de um treinador com mais experiência. E chegou a um nome de consenso: Lisca. O treinador recusou o alvinegro, que não desistiu e tentou uma nova investida, igualando a contraproposta pedida pelo técnico. Mas aí o clube foi surpreendido: Lisca preferiu assinar com o Vasco, que tinha demitido o técnico Marcelo Cabo.
E "se há coisas que só acontecem com o Botafogo", há histórias curiosas que precisam ser contadas também. Sem Lisca, o Botafogo acertou com Enderson Moreira sob uma chuva de críticas. O técnico mineiro já no primeiro jogo foi expulso, apesar da vitória contra o Confiança. Mas embalou uma série de vitórias, o Botafogo chegou ao G-4, se consolidou entre o pelotão da frente e assumiu a liderança da competição. O alvinegro passou a ter a melhor campanha do segundo turno, o melhor ataque e a melhor defesa.
Já a história de Lisca no Vasco...
Mas até voltar à primeira divisão, Enderson Moreira tomou uma série de atitudes, a maior parte delas acertadas. A mais acertada delas na minha opinião foi dar novas oportunidades a Joel Carli, que não tinha atuado uma partida sequer com Chamusca. Com sua experiência e liderança, Carli foi um dos grandes nomes do acesso.
A diretoria do Botafogo também teve méritos. Quando percebeu que o planejamento não estava dando certo, soube mudar a rota. Trouxe o Chay, jogador experiente destaque da Portuguesa no Carioca, mas que nunca tinha jogado em uma grande equipe no futebol profissional. Os dirigentes também perceberam a importância de se ter um setor de análise de desempenho. Mas sem ter tempo de estruturar de maneira adequada esse setor, apostou numa parceria com a Footure, que indicou a contratação de três jogadores do Mirassol: Daniel Borges, Luís Oyama e Diego Gonçalves. Todos terminaram o campeonato como titulares pelo Botafogo.
Nas redes sociais, a comparação com os outros gigantes brasileiros que também disputavam a série B também era inevitável. Surgiu até uma rixa entre alguns alvinegros e vascaínos. O planejamento cruzmaltino para a volta à série A apostava em jogadores mais experientes, "com nome". Dentro dessa filosofia, o diretor de futebol Alexandre Pássaro trouxe o goleiro Vanderlei, o lateral Zeca, Ernando, Rômulo, Michel, Marquinhos Gabriel, Morato e cia. Todos com passagens em grandes clubes brasileiros.
Já o Botafogo apostou em nomes desconhecidos. Sem Gatito, lesionado há mais de um ano, talvez o jogador "mais famoso" do elenco era Rafael Moura, que nunca foi sequer titular.
Independente de ser um "time limitadíssimo" ou de quantas fotos cada jogador tira no Barra Shopping (memes que viralizam nas redes sociais), os desconhecidos do Botafogo tinham vontade de vencer e, para muitos, era a maior chance da carreira ainda que não tivessem a qualidade técnica desejável.
Em uma série B disputada como essa e cheia de grandes clubes brasileiros, a imposição física e a competividade fazem a diferença. E o Botafogo soube jogar assim. Vencendo em casa (o melhor mandante da competição) e empatando fora (mesmo quando a torcida pedia um pouco mais de coragem), a equipe de Enderson chegou à pontuação mágica para subir (e com antecedência).
Sim, o Botafogo precisa planejar a próxima temporada, renovar com jogadores importantes, ir ao mercado. Mas como diz a grande madrinha botafoguense Beth Carvalho "deixa eu festejar que eu mereço".
Fotos: Vitor Silva/BFR